As linhagens do Reiki: algumas considerações

Por José Francisco da Costa, novembro/2018.

Quando eu fiz meus primeiros cursos de Reiki, lá no começo dos anos 2000, não se falava em linhagem, acho que pouco importava a "árvore genealógica" dos Mestres (pelo menos eles não falavam do assunto em classe). Meu interesse sobre esse assunto veio com o intuito de conhecer a história, assim como se conhece seus antepassados, de onde vieram, o que faziam. O que somos hoje é, em parte, reflexo desse passado. Por outro lado, os autores que falam sobre este tema sempre enfatizam que nenhum sistema ou linhagem é melhor do que outro, são caminhos que se adequam aos diferentes tipos de personalidades e históricos de vida de cada um. Fui tendo acesso a esse tipo de informação quando resolvi mergulhar de cabeça no estudos, pois já intencionava completar minha formação e ministrar cursos de Reiki. Descobri que o sistema que eu estava aprendendo na época era chamado de Sistema Mikao Usui, mas não era esse o nome que aparecia nos livros ou nos sites como sendo o sistema ocidental de Reiki, o que eu mais encontrava era Usui Reiki Ryoho ou Usui Shiki Ryoho, ambos significando algo como sistema de tratamento/cura natural no estilo ou nos moldes de Usui. Como sou curioso e gosto de entender as coisas por inteiro, comecei a pesquisar.

O início no Japão

Descobri que reiki já existia no tempo de Mikao Usui (1865-1926). Segundo Frank Arjava Petter, no livro "Isto é Reiki", existiam vários tipos de trabalho com cura espiritual no Japão, um deles era o reiki. Portanto, quando falamos do reiki ensinado por Mikao Usui, estamos falando do Usui Reiki Ryoho. Esta é a primeira linhagem e a original! Ela foi oficializada quando o próprio Mestre Usui fundou sua associação de tratamento e formação de novos reikianos, a Usui Reiki Ryoho Gakkai, em 1922, logo após a descida do Monte Kurama.

O Mestre Usui teve vários alunos, mais de dois mil, segundo o texto escrito na Pedra Memorial erigida em seu túmulo um ano após seu falecimento. Mas formou apenas vinte Mestres, sendo o mais importante para a história do Reiki ocidental o médico Chujiro Hayashi (1880-1940). Consta que Hayashi foi aconselhado por Usui a fundar um subgrupo dentro da Associação Usui para desenvolver um método mais científico e didático de prática e ensino de Reiki, segundo sua visão médica. Porém, depois da morte de Usui, os rumos de sua Associação mudaram ligeiramente e, de comum acordo, Hayashi e Ushida (o 2o Presidente da Gakkai) decidiram por sua saída. Ele fundou sua própria associação, a Hayashi Reiki Kenkyukai, em Tóquio. Os autores em geral gostam de ressaltar que uma das características do método de tratamento do Dr. Hayashi era o fato dos terapeutas atuarem em pares em cada maca de massagem. De qualquer maneira e, apesar de ele ter continuado a chamar seu Reiki de Usui Reiki Ryoho, este teria sido o segundo sistema de Reiki a ser criado. Hayashi promoveu mudanças no tratamento, desenvolvendo um método para encontrar a doença no corpo do receptor, facilitando assim tanto o tratamento quanto o ensino.

O início no Ocidente

A grande virada na história do Reiki e a abertura para as diversas ramificações que vemos atualmente vieram com a primeira Mestre autorizada a ensinar Reiki fora do Japão, Hawayo Takata (1900-1980). Nascida no Havaí, filha de japoneses, foi a Tóquio em 1935 por motivos familiares e também para submeter-se a um tratamento de saúde. Estava com uma série de problemas e ela mesma relata, numa entrevista de 1975, que ouviu uma voz dizendo que a cirurgia não era necessária. Ela então procurou o Dr. Hayashi e passou quatro meses internada em sua clínica, recebendo Reiki diariamente até ficar curada. A partir daí, iniciou seu aprendizado, tornando-se Mestre em 1938. Takata começou a tratar pessoas e a ensinar Reiki nos EUA no pós 2a Guerra Mundial, em que Japão e EUA tinham sido inimigos, então ela teve que fazer muitas adaptações para que ele fosse devidamente aceito, tanto no que diz respeito à história do Mestre Usui quanto no conteúdo ensinado em seus cursos. William Lee Rand, em seu artigo "What is the History of Reiki?", conta que ela modificou a maneira de ensinar Reiki porque ela acreditava que o estilo japonês era muito complicado e seria difícil de ser compreendido pela mente ocidental, portanto ela simplificou o sistema. Chamou-o de Usui Shiki Ryoho, o que poderíamos considerar como o terceiro sistema de Reiki e o primeiro ocidental. E foi graças a essas adaptações feitas pela Mestre Takata que o Reiki sobreviveu, espalhou-se pelo mundo e frutificou!

Takata formou novos Mestres de Reiki somente no final de sua vida, na década de 1970 (22 Mestres). Após sua morte, houve um racha entre eles. Barbara Weber Ray se autointitulou a sucessora nata de Takata, criou seu próprio sistema de Reiki, a Radiance Technique e, em 1980, fundou a American International Reiki Association (AIRA). Por outro lado, a maioria dos Mestres formados por Takata reconheceu sua neta, Phyllis Lei Furumoto, como sua sucessora. Eles fundaram a Reiki Alliance em 1983 e se mantiveram fiéis ao Usui Shiki Ryoho. Até este momento, um Mestre só poderia formar outro Mestre com o consentimento do líder de sua associação; era uma maneira de manter a fidelidade ao sistema.

A abertura para novos sistemas de Reiki

Segundo as explicações de William Lee Rand, no artigo já citado acima, a sobrinha de Takata, Iris Ishikuro, resolveu tomar outro rumo e trilhou seu próprio caminho. Decidiu cobrar um valor bem menor pelos cursos (principalmente pelo nível de Mestrado, cujo valor tabelado era de 10 mil dólares). Além de ser Mestre em Reiki, ela também era praticante de Johrei e dominava uma técnica de cura tibetana. Um dos Mestres formados por Ishikuro foi Arthur Robertson, que chegou a ter turmas de Mestrado com 30 alunos. Juntos, eles geraram um efeito dominó, formando um grande número de reikianos. Por esse fato, é muito provável que, em algum ponto da nossa "árvore genealógica do Reiki", venhamos a encontrar o nome deles.

Robertson era professor de xamanismo tibetano e conhecia vários símbolos sagrados de cura e um processo de sintonização parecido com o do Reiki. Então, ele combinou ambos os sistemas e criou um novo estilo de Reiki, o Raku Kei. Entretanto, ele continuou ensinando ambos os estilos, o Raku Kei e o Usui Shiki Ryoho, separadamente. Foi William Lee Rand, em 1989, que fez a junção deles e formou um dos mais difundidos sistemas de Reiki no Ocidente, o Usui Tibetano. Nas palavras do próprio autor: "Este sistema manteve os 4 símbolos Usui ensinados por Takata e adicionou os símbolos tibetanos e a respiração violeta ensinados por Robertson, totalizando 6 símbolos". Mas Rand não parou por aí. Ele conta que, entre 1993 e 1995, novos símbolos foram aparecendo, sendo visualizados/canalizados por vários de seus alunos. Num encontro de meditação e experimentação destes novos símbolos, decidiram então criar mais um sistema de Reiki, o Karuna Reiki®. Ele tem 8 símbolos usados para tratamento e no início tinha 4 símbolos mestres, depois ficou apenas um (o "Holy Fire") como sendo o símbolo mestre.

A expansão definitiva pelo mundo

A difusão do Reiki se tornou uma constante e, em 1988, Phyllis Lei Furumoto liberou os Mestres da autorização para formarem outros professores de Reiki, ou seja, cada Mestre passou a ter total independência em relação a ela para formar outros Mestres. Por um lado, isto contribuiu para a maior popularização do Reiki e a expansão pelo mundo todo, mas por outro, permitiu que cada Mestre adaptasse o curso ao seu gosto, de acordo com sua personalidade, suas crenças, sua história. E esta personalização do Reiki sofreu influências de outro sistema, chamado Reiki Essencial, de Diane Stein, que causou um alarde no mundo reikiano ao tornar públicos os símbolos sagrados do Reiki, símbolos estes que eram do conhecimento apenas de quem participasse de um seminário de Reiki. Influência significativa também para estes novos cursos de Reiki, liberados de seguir uma linhagem, foi o movimento New Age que, a partir das décadas de 1960 e 1970, trouxe uma nova visão sobre espiritualidade, com elementos da teosofia, astrologia, esoterismo, cultura indiana, orientalismo e outros conhecimentos milenares, que passaram a ter novas interpretações. Muitos desses conceitos foram incluídos ao Reiki. Diversos Mestres denominaram seus sistemas como, por exemplo, Rainbow Reiki, Reiki Xamânico, Reiki Quântico, Reiki Estelar, Osho Reiki, entre outros, deixando claro para os alunos que eram adaptações do estilo original e em que sentido foram essas adaptações. Porém, muitos Mestres (chamados de Mestres independentes, por não estarem ligados a nenhum sistema específico) personalizaram seus cursos sem, no entanto e, provavelmente por não julgarem necessário, identificarem estes novos conceitos como elementos exteriores aos ensinamentos originais do Reiki. Novamente repito, todos tem a mesma origem - Mikao Usui, e nenhum pode se vangloriar por ser melhor do que outro por sua linhagem ou por sua história. Minhas reflexões aqui focam na questão de como o Reiki trilhou seus passos e chegou até nós na atualidade.

De volta ao Japão

No final do séc. XX, o Reiki foi redescoberto no Japão. Por incrível que pareça, ele era considerado desaparecido por lá e, para muitos japoneses, era uma técnica americana. Quando Mestres de sistemas ocidentais começaram a dar cursos no Japão, a partir de 1985, foram se deparando com relatos de antigos praticantes de Reiki ainda vivos. Tanto o Mestre Hiroshi Doi quanto Frank Arjava Petter receberam a notícia de que a associação Usui (a Usui Reiki Ryoho Gakkai) ainda existia e funcionava às escondidas, por questões históricas que abordarei num outro texto. Ou seja, o Usui Reiki Ryoho original não estava extinto! Arjava conheceu a Mestre Chiyoko Yamaguchi, que havia sido aluna do Dr. Hayashi e praticava Reiki há mais de 60 anos. Decidiu refazer todo seu estudo com ela, no sistema chamado Jikiden Reiki (traduzido por "transmissão/ensinamento direto")., tornando-se seu principal divulgador pelo mundo. Trilhando outro caminho, Hiroshi Doi foi indicado e aceito para se tornar membro da associação Usui e teve contato com os descendentes diretos do Mestre Usui. Resolveu reorganizar tudo o que já havia aprendido nos sistemas ocidentais com os novos conteúdos aprendidos na Gakkai e criou o Gendai Reiki Ho (traduzido por "método de Reiki moderno"). Aos poucos, estes dois sistemas estão se popularizando no Brasil, geralmente procurados por aqueles que, como eu, buscam uma maior aproximação com as origens japonesas do Reiki.

Abaixo, apresento uma ilustração que sintetiza, de forma simples, as linhagens apresentadas no texto, pois seria quase inviável e antididático incluir os nomes de todos os Mestres presentes em cada linhagem. Portanto, optei por incluir os nomes dos principais representantes do Reiki com o intuito de facilitar a visualização do leitor.

Fontes bibliográficas:

DOI, Hiroshi. A modern Reiki method for healing. Edição revisada. ICRT, 2014.

MAGALHÃES, João. O grande livro do Reiki: manual prático e atualizado sobre a arte da cura. Portugal: Ed. Nascente, 2015.

MAGALHÃES, João. Uma entrevista à Mestre Takata em 1975: "A Sra. Takata abre as mentes ao Reiki". Publicado em 21/12/2015. https://www.joaomagalhaes.com/o-tao-do-reiki/2015/12/uma-entrevista-a-mestre-takata-em-1975/ Acesso em 19/06/2017.

MÜLLER, B.; GÜNTHER, H. Reiki: cure a si mesmo. Ed. Rocco, 1998.

PETTER, Frank Arjava. Isto é Reiki: das origens tradicionais japonesas ao uso prático. Trad. Flávio Quintiliano. São Paulo: Ed. Pensamentto, 2013.

RAND, William Lee. What is the History of Reiki? https://www.reiki.org/faq/historyofreiki.htmlAcesso em 13/03/2018.

STREICH, Marianne. How Hawayo Takata practiced and taught Reiki. Reiki News Magazine, spring/2007. https://www.centerforreikiresearch.org/Downloads/TakataArticle.pdf Acesso em 07/11/2018.